quinta-feira, 4 de março de 2010

Capítulo 1 - Já sonhou com desconhecidos?

Era uma noite, daquelas que o céu está parcialmente coberto de nuvens. Entre uma e outra, era possível enxergar algumas estrelas e uma bela lua cheia. Em um bairro com ruas arborizadas, seguia um Fiat Siena azul escuro, apenas um homem estava no carro. Aparentando uns trinta e tantos anos, vestia terno e uma gravata já solta, denunciando que voltava de uma longa jornada de trabalho.

Logo chegou em seu prédio, cumprimentou o porteiro com um discreto sorriso e chamou o elevador. No curto espaço de tempo de espera, um destes vizinhos aposentados pentelhos que adoram puxar conversa apareceu e prontamente disparou:

- Olha se não é o Sr. Pontini!

- É tão fantástico assim encontrar um vizinho que mora no andar logo acima do seu? E pode me chamar de Marcos, afinal, somos vizinhos há tantos anos mesmo. - respondeu Marcos Pontini, já entrando no elevador.

O vizinho deu uma risada balançando a cabeça em sinal de concordância e após uma pausa com um olhar irônico disse:

- É verdade, não é difícil encontrar advogados hoje em dia, difícil é encontrar algum com ética. - e riu novamente.

- O que disse?!

- Nada, meu amigo, foi apenas uma brincadeira. Não leve a vida tão a sério. Olha para mim, hoje sou um velho, uma má companhia para qualquer um, ou você pensa que não sei o que estava pensando quando me viu? Mas o senhor é jovem, Sr. Pontini, e agora é novamente solteiro, vá viver os seus sonhos. Boa noite! - e quando acabou de falar, a porta do elevador se abriu e o vizinho foi para seu apartamento.

Marcos ficou pensativo à respeito do comentário sobre a ética. Sabia que muitos dos clientes que defendia de fato cometeram os atos que ele ajudava a negar nos julgamentos. Mas ao mesmo tempo, não cabia a ele julgá-los, e sim ao juiz. Por outro lado, pensava que esse modo de ver as coisas era apenas uma forma de tapar os olhos para a verdade: que defendeu gente que cometeu homicídio, que vendeu drogas ou mesmo que praticou latrocínio.

Incluía-se em sua lista um caso de um homem que supostamente matou a namorada e o amante ao descobrir que era traído. Pela frieza do rapaz, Marcos pensava que ele era culpado, mas de fato, não conseguiram provar e a falsa convicção de Marcos foi decisiva para que considerassem que na verdade, a mulher havia matado o amante e se suicidado. O que o incomodava é que nem ele, o advogado, soube de fato, se deixou impune um culpado ou se defendeu um inocente, já que o rapaz nunca confessou nem para o advogado o crime.

Estas questões o cercavam e o rodeavam, ao mesmo tempo em que se lembrava da separação com sua agora ex-esposa. E a saudade dos filhos, que agora só veria uma vez por semana. Pegou então uma taça de vinho tinto seco e tentou relaxar na poltrona enquanto assistia um canal de filmes na TV.

Aos poucos foi se entregando ao cansaço e logo adormeceu Em determinado momento, não se sabe se dez minutos, meia hora ou duas horas dormindo, um sonho estranho se descortinou.

Estava em um campo aberto, céu azul, um clima meio frio, embora sendo uma paisagem estranha, aquilo soava tão real! Marcos andou sem rumo e sem saber onde estava até encontrar uma garota e um rapaz que conversavam. Se aproximou deles e perguntou onde estava, dizendo seu nome.

- Meu nome é Julia e ele é Diego. Nós não sabemos que lugar é esse, mas o Diego encontrou esse papel no chão.

"Encontrem o castelo" - dizia uma folha não assinada, escrita com tinta vermelha.

- E como sabe que essa folha é para nós? 

- Eu não sei - disse Julia - mas isso significa que existe um castelo por aqui e lá deve ter comida e deve ter pessoas que nos digam onde estamos e porque estamos aqui.

O advogado acabou concordando, mas Diego preocupado disse:

- Mas ele não diz nenhuma direção. Como vamos saber para que lado ir?

- Você não confia na intuição feminina? Vamos por ali! - Julia apontou aleatoriamente para um lado e o advogado não se opôs. "Tanto faz", pensou ele "Teriam que seguir para algum lado mesmo". Diego, que era o mais jovem e aparentava timidez, diante do consenso entre os dois, ficou na dele e seguiu.

Andaram cerca de de dez minutos e então encontraram uma mulher sentada como que olhando para o nada.

- Eu sabia! Minha intuição não falha! - sorriu Julia enquanto Marcos abordava a mulher.

- Olá, você poderia nos..

- Oh , quem são vocês? O que querem aqui? - interrompeu com uma voz antipática.

- Desculpe incomodar, nós só queremos saber onde estamos. - insistiu Diego, assustado.

- Hahaha... Só pode ser brincadeira, né? Eu por acaso tenho cara de guia turística? Andem por aí e descubram.

- Aposto que você diz isso porque sabe tanto quanto nós. - provocou Marcos usando sua persuasão de jurista.

- E se eu não souber? Quer saber? Estamos no meio do nada, longe de idiotas, ou melhor até alguns minutos atrás eu estava.

- Bem, nós estamos procurando por um castelo onde achamos que alguém pode nos informar sobre o que estamos fazendo aqui. Quer vir conosco? - explicou Julia.

- Um castelo? Bah, quando encontrarem o Rei Arthur, pergunta se tem espaço para mim na Távola Redonda!

Diante do desprezo da mulher, seguiram. Até que ouviram uma voz.

- Esperem! - era a mulher novamente. Os três olharam com curiosidade e ela prosseguiu - Não é por aí, é por esse lado. Um homem passou por mim e indicou o caminho dizendo que estava indo pra lá.

Os três se olharam e resolveram seguir o que a mulher dizia, agradecendo pela informação e perguntando seu nome.

- Sou Nathália... - e respirou calmamente - Sabe, está entediante aqui e além disso, acho que vocês acabarão se perdendo. Só porque eu realmente não tenho nada pra fazer, vou acompanhar vocês.

- Sua simpática companhia será um grande prazer! - ironizou Marcos.

- Ok - procurou ignorar Nathália - O prazer será todo seu. - ao ouvir isto, Marcos sorriu de maneira sarcástica e Julia, em atitude conciliatória tratou de apresentar os três para Nathália dizendo seus nomes e então seguiram adiante.

Em algum momento da jornada, Marcos acordou, já era manhã, estava atrasado para ir para o escritório. Pensou em tomar o café lá mesmo, numa padaria que tinha embaixo do prédio onde trabalhava. Tomou banho, vestiu a roupa, pegou o carro e foi embora. 

No escritório, lapsos do sonho vinham em sua cabeça Não recordava de quase nada, tinha lembranças vagas das pessoas que apareceram, mas sabia que não conhecia nenhuma. É uma coisa estranha quando sonhamos com quem não conhecemos. Aquelas pessoas existem mesmo em algum lugar? Virou para sua secretária e, de forma enigmática perguntou:

- Sabe, Márcia, você já sonhou com desconhecidos?

7 comentários:

  1. Estou curioso para ver o desenrolar deste encontro de Marcos Pontini e seus "amigos desconhecidos"

    Nelson Weber

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  2. Felipe...que fantasia maravilhosa!!! viajei com seus amigos...rsrs
    Parabéns!!!

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  3. Para primeiro capítulo, já prendeu minha atenção. Espero ler o quanto antes o desenrolar dessa fantasia.
    Parabéns, Felipe. Abraços.

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  4. Parabéns pelos posts, muito facil de entender e ainda mais com um leyout branco simples mais que faz seus posts sobresair melhor, meus parabéns!

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  5. Hum, interessante, vou ao segundo capítulo agora !

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  6. Achei interessante essa ideia de pessoas se encontrarem em seus sonhos. Parabéns.

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  7. Achei ótimo, pois me fez pensar se sonho ou não com desconhecidos...nunca havia feito essa reflexão...quero continuar a leitura!!!
    Legal Felipe!!

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